quinta-feira, 21 de julho de 2011

TE PEGO NA SAÍDA [crônica]

Fiz, em setembro de 1998, uma segunda crônica de escola com a mesma figura do texto ASCENÇÃO E QUEDA (postagem anterior, 29/06/11).
Tá escrito em primeira pessoa, mas, desta vez, felizmente, não é baseado em fatos reais.

TE PEGO NA SAÍDA

   Na escola, alguns boatos correm mais rápido que o Papa Léguas. Naquele dia nublado de agosto aconteceu um caso.
   Espalhou-se entre os alunos a notícia de que o Janjão, o garoto mais chato, carrancudo e forte da escola, iria brigar na hora da saída com um menino do 6o ano.
   Como todos os outros naquela época e fase da infância, também fiquei empolgado com a história, afinal, a coisa toda não era tão séria assim, apesar de alguns machucados alheios.
   Entre os comentário das rodinhas fiquei sabendo que a vítima seria um garoto chamado Lauro.
   Foi como uma trombada de caminhão. Eu era do 6o ano, me chamava Lauro e aprendi naquele instante o significado da palavra pânico.
   Seria um massacre: um gorila contra uma formiga, um Jumbo chocando-se com um Teco-teco, uma bola de boliche atropelando uma bolinha de isopor. E eu nem sequer falava com o Janjão.
   "Pai nosso que estais no céu..."
   Já sei, a culpa era dos meus pais. Por que tinham me dado o nome de Lauro? Podia ser José, Cléber, Ramiro, sei lá, menos Lauro, Lauro não, Lauro ia ser o garotinho reduzido a pó pelo Janjão. Depois da surra com certeza iriam aspirar o que restasse de mim. Isso se não jogassem água e meus restos escorressem pelo bueiro. Que horrível!
   "Aqui jaz os grânulos de Lauro, o menino que por azar não se chamava Ramiro."
   Lau era como me chamavam os amigos. Amigos para quem contei o meu drama e de quem ouvi incentivos, dicas de Jiu-Jitsu e despedidas emocionadas.
   Nunca torci tanto para que o sinal de ir embora não tocasse, e nunca uma aula após o intervalo passou tão depressa. Eu havia pensado em fugir, fingir um convulsão para ser dispensado mais cedo, mas não consegui ter qualquer tipo de ação, tamanho o meu desespero.
   Demorei a sair da classe ao toque do sino. No entanto, assim que consegui - através de muita psicologia - fazer minhas pernas pararem de tremer, fui decidido a enfrentar o orangotango com toda minha enorme força. De vontade. Não assinaria na frente da multidão da escola minha confissão de covardia.
   A rua estava lotada, com a famosa roda-ringue. Transpus o portão da saída relutando um pouco comigo mesmo, mas naquele momento, escutando a turma gritando "Lauro, pega ele!", "Vai Lauro, você é bom!", "Lindo!", tomei coragem, enchi o peito, persignei-me, amarrei os cadarços, assoei o nariz, cerrei as mãos, ergui os punhos, fechei os olhos (tudo não necessariamente nessa ordem), me meti no meio do povo defronte ao elefante Janjão e ameacei-o: "Vem Janjão, você não é forte o suficiente para me derrotar, eu vou acabar com você seu..."
   Antes que eu pudesse terminar, o brutamontes me empurrou com o dedinho e enquanto eu me espatifava no chão, dizia: "sai da frente, pirralho, deixa eu acertar contas com aquele folgado ali."
   O fato é que horas antes, envolvida em certo nervosismo, minha orelha havia me traído. Janjão queria estourar a fuça era de um menino do outro 6o ano chamado Mauro.
   Tudo acabado. Professores chegaram para evitar a briga e num instante a confusão se desfez, com os garotos briguentos levando uma severa repreensão.
   Voltei cabisbaixo para casa aquele dia, pensando que talvez eu ficasse famoso e respeitado na escola se eu enfrentasse o Janjão, mesmo que ele me arrebentasse. Coragem passaria a ser meu nome e as meninas ficariam se derretendo por mim. Forte, másculo, arrojado, sem medo de nada. Estava decidido: no dia seguinte espalharia um boato de que o Lauro do 6o ano, o autêntico Lau, iria pegar o Janjão na saída.

___Ronaldo dos Santos

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